
O medo da fluidez dos desejos e sentimentos atravessa toda a monocultura dos afetos e da sexualidade.
Há uma expectativa de que só é bom e verdadeiro aquilo que é estático e “para sempre”.
A ideia de orientações sexuais que temos hoje é historicamente datada e uma de suas principais características é justamente uma espera de permanência temporal.
Quando alguém diz que é hetero, por exemplo, espera-se que isso não seja apenas uma informação sobre o presente, mas também sobre o futuro, em que essa pessoa se interessará por determinadas pessoas e não outras.
Apesar disso, essas promessas e garantias frequentemente falham e aí há uma série de cobranças de quem se sente “traído” diante das transformações do outro: “como assim eu casei com você esperando que você seria sempre (hétero/lésbica/homossexual) e agora você mudou?”.
Esse sentir-se traído vem, portanto, da quebra da promessa de estabilidade e permanência vinda monogamia e/ou do monossexismo.
Diante disso, muitos preferem acreditar que “no fundo”, a pessoa sempre foi o que ela diz ser agora, mas que antes havia mentido, enganado ou ocultado de si mesma e dos demais.
Em que pese nisso a imposição cultural e religiosa da heterocisnorma e do monossexismo.
“Você tem que escolher um gênero”, diz a lógica monolítica.
“Ou é homem ou mulher”, diz o binarismo.
“Só pode escolher um para amar”, diz a lógica monogâmica.
Isso lhes parece mais fácil que aceitar que ao longo da vida o desejo pode sim fluir, ser diverso, múltiplo e concomitante – e em todas essas passagens ter sido genuíno.
Acolher com humildade a possibilidade de que não temos como ter certeza de como será nosso desejo num amanhã que ainda sequer chegou é muito diferente da ideia de “cura gay” que o cristianismo impõe.
A principal diferença é que no primeiro caso a demanda vem de si, do próprio desejo; enquanto que no segundo, ela é imposta pelas pressões coloniais de terceiros (família, igreja, trabalho, etc).
Abrindo o debate sobre a não imposição e predeterminação dos afetos e desejos conseguimos degustar nossas escolhas com mais liberdade, inclusive se acontecer delas não se transformarem profundamente.
Referências: livro “A política cultural das emoções”, de Sarah Ahmed. Artigo “A experiência: tornando-se visível”, de Joan Scott
Geni Nuñez – @genipapos no Instagram
Assista a live “Descatequizar para descolonizar”, com Geni Nuñez em meu canal no Youtube (Angela Natel) –
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